Música Infantil Brasileira: uma História Bela e Antiga
Principal atração do Mês das Crianças no CCBB, o Festival de Música Infantil Brasileira acontece nos dias 12 e 13 de outubro, às 15h, na Praça do Patriarca, com shows gratuitos de Pato Fu, Zé Renato, Taciana Barros, Edgard Scandurra e Antonio Pinto (veja programação). Aqui você lê matéria de Pedro Alexandre Sanches sobre a música brasileira feita para crianças.
É uma história bela e antiga. A música brasileira nunca esteve distante das crianças e a associação conheceu um ápice histórico a partir de 1960 (e ao longo de toda aquela década, e além) com a coleção Disquinho. O homem por trás da iniciativa era ninguém menos que Braguinha, o João de Barro, diretor da gravadora Continental e autor de clássicos da música (e do carnaval) do Brasil como Carinhoso, As Pastorinhas, Cantores do Rádio, Chiquita Bacana, Yes, Nós Temos Bananas, Copacabana e dezenas de outras. Algumas gerações, dali em diante, foram marcadas pelas canções orquestradas pelo maestro Radamés Gnattali, que povoavam de cor e som histórias infantis como Festa no Céu, A Cigarra e a Formiga.
Os Saltimbancos
Uma dessas histórias musicadas, lançada em 1961, se chamava Os Quatro Heróis e foi uma das fontes de inspiração para uma revolução musical infantil ocorrida 16 anos mais tarde por obra de Chico Buarque. A fábula dos quatro bichos (burro, cão, gato, galo) abandonados por seus donos por estarem ficando velhos tomou ares circenses e virou Os Saltimbancos, peça teatral musicada e LP gravado com músicas e narrações. Dois dos integrantes do conjunto MPB4 interpretaram o jumento e o cachorro, e duas meninas entraram na história: Nara Leão como a gata, Miúcha como a galinha. O disco circula ainda hoje, seduzindo gerações com uma trama progressista de luta de classes e reivindicação de igualdade e versos hoje clássicos nos moldes de “au, au, au, hi-ho, hi-ho/ miau, miau, miau/ cocorocó”, “jumento não é, jumento não é/ o grande malandro da praça/ trabalha, trabalha de graça” e “todos juntos somos fortes/ somos flecha e somos arco/ todos nós no mesmo barco/ não há nada pra temer”.
Sítio do Picapau Amarelo
No mesmo ano de 1977 ocorreu outro marco indelével. A Globo estreou a série Sítio do Picapau Amarelo, inspirada na obra infantil de Monteiro Lobato, que ficaria no ar anos a fio e, logo de cara, acrescentou um álbum histórico de música brasileira infantil, sob direção musical de Dori Caymmi. Além da música-título de Gilberto Gil, canções adultas para crianças (e/ou vice-versa) ganharam vida própria em vozes como as de Sérgio Ricardo (Emília), João Bosco (Visconde de Sabugosa), Dorival Caymmi (Tia Nastácia) e Jards Macalé e Marlui Miranda (Tio Barnabé). Era de arrepiar – e é até hoje.
Secundado por Dori, Chico estava conduzindo, provavelmente sem saber, a música para crianças para um plano distinto daquele das historinhas musicadas da coleção Disquinho. Apesar da centralidade da história de Os Saltimbancos, foram as canções que sobressaíram a ponto de se descolar das historinhas e ganhar autonomia. O momento seguinte seria dado por Vinicius de Moraes, em parceria com a Rede Globo, no especial infantil A Arca de Noé, em dois episódios de 1980 e 1981. Poemas de Vinicius para crianças ganhavam música (na maioria dos casos composta por Toquinho). No programa televisivo restavam resquícios de enredo, mas o disco viraria objeto de culto ao enfileirar canções sobre bichos (O Pato, A Foca, A Corujinha, As Abelhas, A Pulga, O Leão, O Porquinho, O Peru…) e sobre coisas (O Relógio, A Porta, A Casa). O elenco de cantores era estelar: Milton Nascimento, Elis Regina, Fábio Jr., Ney Matogrosso, Marina Lima, Fagner, Tom Jobim, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Grande Otelo, e daí adiante.
Plunct Plact Zuuum
O formato explodiu na tela da Globo dos anos 1980. Especiais de uma hora de duração somavam pouca história e muita música em títulos como Pirlimpimpim (1982), Plunct Plact Zuuum (1983), A Turma do Pererê (1984), entre vários. Agora não havia mais autores fixos para as canções, e diversos compositores e intérpretes colaboraram na criação de temas lembrados até hoje: Lindo Balão Azul, de Guilherme Arantes, com Moraes Moreira, Baby Consuelo e Bebel Gilberto; Cuca, de Angela Ro Ro; O Carimbador Maluco, de Raul Seixas; Sereia, de Lulu Santos, com Fafá de Belém; Brincar de Viver, de Guilherme, com Maria Bethânia; Grande Final, de Moraes Moreira, com Gal Costa…
A próxima revolução não seria tão generosa. Com Xuxa, a partir de 1986, o cancioneiro infantil perdeu em teor educativo, em esmero musical e na integração de elencos musicais criativos e audaciosos. A música para exercitar a inteligência infantil sobreviveu, nas décadas seguintes, em projetos como o Castelo Rá-Tim-Bum e o Palavra Cantada. Nesse meio tempo, artistas que eram crianças nos anos de existência de disquinhos, arcas de noé e conspirações saltimbancas sentiram saudade da própria infância e passaram a homenagear as iniciativas agora antigas de Vinicius, Chico e demais emepebistas.
Anos 2000: Pato Fu, Zé Renato, Pequeno Cidadão
Os projetos infantis mais consistentes destes anos 2000 pertencem a essa filiação, num movimento em que atuam nomes como Zeca Baleiro, Pato Fu, Zé Renato, o trio Arnaldo Antunes-Edgard Scandurra-Taciana Barros (com o Pequeno Cidadão), Adriana Calcanhotto (na versão Adriana Partimpim), André Abujamra e Bixiga 70, em material frequentemente adaptado, mas também especialmente composto (em especial no projeto Pequeno Cidadão). O Pato Fu, por sua vez, inverteu princípios dos anos 1970 e 1980: adaptou para o imaginário infantil canções anteriormente adultas de Roberto Carlos, Rita Lee, Tim Maia, Zé Ramalho, Ritchie, Titãs e até Elvis Presley e Paul McCartney. Nesse caso, a música voltou a primeiríssimo plano, deixando à distância a fórmula antiga dos contadores de fábulas da coleção Disquinho. E assim segue a história, até que alguém venha virar tudo de ponta-cabeça outra vez.
Fonte: Ideias Online