Priorizando a melhor idade
Talento musical pode ser descoberto na terceira idade
por Ana Carolina Surita
Questionamentos de como envelhecer bem e saudável embarcam na mente das pessoas, visto que a população atualmente anda vivendo muito além dos 60 anos. A experiência de trocar nomes já é motivo para a pergunta: minha mente está envelhecendo comigo?
Manter o corpo em movimento e uma boa alimentação são atitudes que caminham juntas para que o processo de ver a idade chegar seja o mais prazeroso possível. Mas existe outro aliado para deixar uma memória sagaz e tranquila: aulas de música.
A história de pensar nas letras musicais, melodias e arranjos como forma de manter a saúde vem desde a Grécia antiga. Escritores da cidade europeia em 1550 A.C. acreditavam que a música influenciava na fertilidade da mulher; e o filho preferido de Zeus, Apolo, tinha o título do que cura (médico) e mestre da música.
Escolas investem na melhor idade como forma de contribuir para a felicidade e realização pessoal. Em Moema (SP), a Claves Cursos de Música, oferece aulas particulares para pessoas com faixa etária entre 60 e 85 anos. Também incentivam seus alunos da melhor idade a participarem de apresentações: “Quando é a primeira vez geralmente não se animam. Mas, nos ensaios vão se soltando, interagindo com os alunos mais jovens. Quando se sentem mais seguros se apresentam sim, e depois com frequência.”, afirma o diretor e professor de bateria da escola, Anderson Faccioli.
Faccioli comenta também sobre o receio dos alunos em começar a estudar música depois dos sessenta: “Percebíamos que os idosos, quando pediam informações sobre o curso, sempre achavam que a escola tinha um limite de idade. Também tinham muito medo, pois achavam que teriam mais dificuldades ou que o professor não teria paciência suficiente. Foi aí que começamos a ser mais enfáticos em divulgar melhor os cursos para esse público e ainda salientar os benefícios que um curso de música pode proporcionar”, comenta.
E os benefícios são muitos. Pessoas que praticam aulas de música estimulam o desenvolvimento criativo, exercitam a memória, movimentam as articulações, diminuem o estresse e melhoram o bem-estar e a qualidade de vida, estimulam a ação dos dois lados do cérebro, trabalham a área motora e retardam o processo de envelhecimento.
Os alunos com mais idade geralmente chegam às escolas de música sem nunca terem pisado em uma antes, mas se sentem atraídos pela atmosfera dos sons: “Notamos que em 80% dos casos o aluno da 3ª idade quer tocar as músicas preferidas, sem muita preocupação em adquirir conhecimento técnico. Este público utiliza as aulas como terapia, quer sair de casa, ver pessoas, ser visto e realizar um antigo sonho de tocar uma música. Direcionamos as aulas para este público de acordo com o perfil de cada um, acolhendo e oferecendo o que ele realmente deseja”, completa a responsável pela Allemande Escola de Música (SP), Solange da Matta.
Entre evasão e serenata
Uma história curiosa entre alunos da terceira idade deixaram o professor/diretor da escola Pauta Arte e Comunicação, Saulo Wanderley, de queixo caído. “Era uma vez um grupo de senhores entre os 55 e 70 anos, que resolveram aprender a tocar violão. Como eram amigos de longa data, queriam aulas em conjunto, mas logo no primeiro mês, avaliados diferentemente quanto à experiência com as cordas, foram divididos em 2 horários, 2 em cada um do total de 4 alunos. Logo foram tomando gosto por tocarem uns com os outros, os que tinham mais dificuldades fazendo esforço admirável para se equiparar aos mais desenvolvidos. Mas, após uns 6 meses, foram se acomodando, pareciam até que combinaram parar de evoluir, e a cada aula ficavam mais tristes e enigmáticos. Chamados para uma conversa sobre aproveitamento, se evadiram.
Eis que senão quando, em uma madrugada quente de verão, toca o interfone do meu prédio, apartamento onde residia. Ao mesmo tempo ouço uma canção que sobe pelas janelas até o nono andar, e reconheço uma das músicas que os alunos amigos de longa data sabiam tocar, mas com dificuldade. Desta vez a performance parecia impecável. Qual não foi meu espanto e alegria de mestre ao ver na calçada os 4 reunidos não só com violões, mas também cavaquinho e bandolim, me fazendo uma serenata-surpresa, ao arrepio da Lei do Psiu. Ao término do repertório, subiram para um café e o mestre foi dormir com aquela gostosa sensação de dever cumprido!”
Dama do piano
Pianista e educadora, Walkyria Passos Claro confirma que se alimentar da música, rejuvenesce. Descobriu a paixão pelo piano ainda criança, com apenas 5 anos, e tocava com suas irmãs e sua mãe. Ela relembra uma história de quando era pequena: “Eu e minha irmã Eurídice tocávamos em casa, eu piano e ela violino, e uma plateia ficava na calçada só escutando”, conta saudosa, com um sorriso nos lábios.
Com 90 anos, ela coleciona alguns prêmios importantes e apresentações primorosas, aplaudida por grande público. Sua escola, a Escala Atividades Musicais, localizada no bairro das Perdizes (SP), foi pioneira no ensino de música para bebês no Brasil e atua até hoje. Foi com 50 anos que Walkyria deu início a aulas com crianças de oito meses. No começo, oferecia gratuitamente, pois as pessoas não acreditavam que seria possível. Com a experiência do sucesso, ela escreveu um livro: “Música: A Alegria de Ensinar e Aprender”. A obra, lançada em 2011, e com 88 anos de idade, agrega métodos, sugere exercícios e instruções de como desenvolver aulas com grupo de crianças.
Com 82 anos, ganhou um prêmio nos Estados Unidos: melhor interpretação de obras barrocas na terceira edição do Rock Mountain Amateur Piano Competition. Também já se apresentou no Theatro Municipal com sala e corredores lotados. Recém-completados 90 anos, ela não desanima: “Aposentado morre mais depressa”, afirma.
Walkyria fascina com suas histórias, inteligência e bom coração. Atualmente, ela ensina a arte do piano para uma senhora de 84 anos e oferece uma bolsa de estudos para a filha de um funcionário do seu prédio. Em seu aniversário, no dia 1 de julho, foi homenageada com um belo jantar, que reuniu amigos e familiares. “Falar da Walkyria é como aplaudir um concerto, falar de Walkyria é como falar de música”, descreve a amiga Nazima Sader, em um folheto que foi distribuído aos convidados.
Caminhando sem nenhuma dificuldade pela sala onde estão seus pianos, ela resolve dar uma demonstração que, mesmo aos 90, pensa bem e surpreende quem a assiste. Ao pegar o metrônomo toca lindamente uma música. O resultado do aparelho é de 184 batidas por minuto. “Toco três notas em cada batida. Assim o resultado fica 552 movimentos por minuto. Isso é o que o cerébro manda. O corpo pode ter 90 anos, mas a cabeça tem 20 anos”, sorri. Assim, seu exemplo deixa provas que a música é a nova fonte da juventude.
BOX 1
WORKSHOP PARA A TERCEIRA IDADE
Promovendo benefícios como o combate ao sedentarismo mental, o despertar para novos aprendizados, os estímulos à curiosidade, criatividade e o resgate da memória afetiva, surge o Projeto Cultural Conexão Interativa Música & Bem-Estar, que através da Música e de ações divertidas de entretenimento oferece workshops de 4 horas realizados também em escolas de música.
O Centro de Cultura Musical, em Perdizes, São Paulo oferece o primeiro workshop deste inovador projeto.
Para saber mais:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vLpYwuEy7J0
BOX 2
Depoimento de um aluno: Reginaldo Carvalho
“Sempre tive paixão pela música e meu passatempo preferido é cantar; desde criança cantava em eventos da cidade. Só tive oportunidade de estudar depois de adulto. Foi quando me matriculei no NAEM (Núcleo de Arte Espaço Musical) para fazer aulas de canto, técnica vocal e teclado.
A partir daí a minha vida mudou em muitos aspectos: a música torna a vida mais leve, a gente aprende a amar mais, ver o mundo com outro olhar, e podem acreditar: ajudou a melhorar minha timidez.
A vivência musical exerce forte atração sobre os seres humanos, fazendo com que, mesmo que de forma inconsciente, nos relacionemos com ela, movimentando o corpo ou cantarolando pequenas partes da melodia.
As pessoas ficam admiradas com o meu comprometimento e disposição apesar da minha idade, pois trabalho em período integral no Centro de São Paulo e, após o expediente, frequento as aulas de música, em outro município. Para mim, a música é uma ótima terapia.”
Em 2010 gravou um CD independente com o título “Reginaldo Carvalho interpreta compositores brasileiros”, inclusive conseguiu ser selecionado para participar do Canto de Julho 2013, evento organizado pela prefeitura do Município de Osasco e realizou um show. Foi uma grande satisfação.
Outra atividade que aprecia é escrever poesias, sendo que teve suas obras publicadas em 2 livros: Tempo Definido e No Limite da Palavra, ambos lançados pela Editora Scortecci.
Crédito das fotos de Walkyria são de Ana Carolina Surita
Fonte: No Tom – Revista da CAEM