Cantores populares têm reeditados, pela primeira vez em CD, álbuns dos anos 1970
As discografias de cantores e compositores extremamente populares – ídolos do chamado povão e donos de sucessos de alcance nacional – costumam ser menosprezadas. Críticos de música não conferem a essas discografias o status de obra justamente pela identificação da população das camadas sociais mais baixas com o cancioneiro geralmente simples desses artistas. São poucos os cantores e compositores que, com o tempo, mudaram de status na escala fonográfica por terem a obra reavaliada.
O goiano Odair José, ídolo da década de 1970 atualmente mais reconhecido pelo cancioneiro hábil na exposição da ideologia e dos costumes do povo, é raro caso de cantor e compositor popular que foi alçado a outro patamar musical a partir de reavaliação da obra autoral. Por isso mesmo, soa surpreendente o fato de o terceiro lote do selo Discobertas com reedições de álbuns dos catálogos das gravadoras Som Livre e RGE incluir nada menos do que quatro títulos de cantores e compositores populares. Voltam às lojas neste mês de janeiro de 2018, em edições em CD com tiragens limitadas de 500 cópias, cada um, álbuns de Almir Ricardi, Carlos Alexandre (1957 – 1989), Gilliard e Pete Dunaway. Os quatro discos nunca tinham sido relançados no formato de CD.
Cantor e compositor que vinha tentando o sucesso desde o fim da década de 1960, o carioca Almir Ricardi chegou a lançar um álbum em 1969, 12 certinhas dos jovens pra frente, mas a carreira fonográfica do artista não decolou. Ricardi somente conseguiu alguma visibilidade em 1984 com o álbum Festa funk, lançado pela extinta gravadora RGE com produção de Reinaldo Brito e – o mais importante – com arranjos criados por Lincoln Olivetti (1946 – 2015) e Robson Jorge (1954 – 1992), magos do tecnopop black. Amigo de Ricardi desde os anos 1960, Erasmo Carlos participa de Raça, uma das músicas assinadas por Ricardi no disco em parceria com a dupla da pesada formada por Olivetti com Robson.
Nome artístico do cantor e compositor potiguar Pedro Soares Bezerra, Carlos Alexandre tem reeditado o primeiro álbum, lançado originalmente pela RGE em 1978. Produzido por Janjão e Reinaldo Brito, o álbum Carlos Alexandre trouxe o toque de Os Carbonos – grupo paulistano que reverberava o som da Jovem Guarda – e o maior sucesso da discografia de Alexandre, Feiticeira, música composta pelo artista em parceria com Otavio Osvaldo Garcia. O cantor nunca mais teria outro sucesso com o alcance nacional de Feiticeira, mas gravou regularmente outros álbuns bem-sucedidos ao longo da década de 1960 até sair precocemente de cena, aos 32 anos incompletos, em 30 de janeiro de 1989, vítima de acidente de carro.
Também de origem potiguar, como Carlos Alexandre, de quem foi contemporâneo nas paradas populares, o cantor e compositor Gilliard Cordeiro Marinho – conhecido artisticamente somente pelo nome de Gilliard – tem reeditado o segundo álbum, Gilliard, lançado em 1979 pela RGE. Este segundo álbum de Gilliard foi o primeiro a fazer sucesso por conta da pueril canção Aquela nuvem, de autoria do próprio cantor e compositor. No embalo do estouro de Aquela nuvem, Gilliard gravou regularmente álbuns ao longo dos anos 1980 e 1990, sendo especialmente bem-sucedido na década de 1980, quando emplacou outros hits, como Pensamento (Gilliard, 1980) e Pouco a pouco (Martinha e César Augusto, 1982).
Completando o lote do selo Discobertas, há a reedição em CD de Pete Dunaway, álbum lançado pela gravadora Som Livre em 1974. Seguindo a tendência do mercado fonográfico na primeira metade da década de 1970, o cantor, compositor, músico e arranjador paulistano Otávio Augusto Cardoso adotou o nome artístico de Pete Dunaway e passou a compor e a cantar em inglês. Desse primeiro álbum, o destaque é a tristonha balada Don’t make me cry (Pete Dunaway e George Cadia), mais conhecida na gravação feita por Mark Davis, cantor que era ninguém menos do que Fábio Jr., que também seguia a moda daquela época em que predominavam músicas estrangeiras nas programações das rádios.
Com as edições em CD dos álbuns desses quatro cantores populares, o selo Descoberta ajuda a mapear, para colecionadores de discos, as rotas seguidas pelo mercado da música brasileira de cepa mais simplória e popular ao longo dos anos 1970, década em que reinou a MPB de arquitetura mais refinada.
FONTE: Globo G1